quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Ramon Magela expõe na FLU



Ramon Magela, o sensível artista das lentes para quem tive o prazer de posar em tempos idos, logo que chegou a Uberaba, com a criatividade e o entusiasmo inerentes a um jovem profissional já bastante requisitado, especialmente pelas belas que queriam se ver ainda mais bonitas naqueles milagrosos flashes. O tempo passou e Ramon foi aprimorando a sua arte e aprofundando o seu olhar também para outras cenas, muitas das quais históricas e monumentais.
Depois de comemorar 30 anos de sua muito bem sucedida trajetória com exposição, homenagens e tudo o mais que merecidamente recebeu, sua verve artística não perdeu a vibração e muito menos a competência. Na Festa Literária de Uberaba (FLU), que invade Uberaba com muita poesia, literatura, teatro, e até o universo da boa culinária, ele chega com a inusitada mostra  Secos e Molhados, que será aberta nesta quinta-feira, 25, às 17h, na Casa de Artes e Ofícios Paulo Souza Lima (Praça Comendador Quintino, 162, praça do Grupo Brasil), com visitação nos demais dias, das 8h às 20h, com entrada gratuita. 
São 55 fotografias destacando bares e mercados e relembram, através do registro do presente, detalhes do passado que permaneceram como tradição no interior de Minas Gerais. A mostra permanecerá até o fim da FLU.
A sua incursão nesse mundo da história, a convite dos organizadores da Festa, mereceu texto do historiador e poeta Jorge Alberto Nabut, que com muita honra posto aqui:


SECOS E MOLHADOS

Jorge Alberto Nabut

  
 ...Vem da venda do meu avô, o vento

que assopra os ouvidos - os sons em

surdina, semitons das falas dos fregueses;


que assopra as narinas - o cheiro forte do

estrume de cavalo que chegava da rua, o

fumo em corda, a cebola em réstia ou a

banha em lata; assopra o paladar – a peça

de salame fatiado à espera do pão, a bala

chita ou o gosto acentuado, enjoativo que

não permitia certas carnes secas à boca; o

vento que assopra os olhos – abertos, sem

cisco, para captar a imagem dos rolos de

arame farpado, os cabos de enxada como

lanças, a luz branca a invadir as portas

abertas, a querer devassar o indevassável,

as resmas de sombras que restavam na

despensa, no depósito, como se

escondessem algo. Vinha da venda do meu

avô a querência da compreensão de tudo

que podia parecer pouco – uma venda –

mas que era um mundo, hoje mudo, não

fora as palavras escritas, as estrofes

cantadas, os casos acasalados com o

prazer de uma prosa que se desfia, mesmo

sem a fala: a fotografia.

 Click!

 - Menino, ponha sentido nas coisas!

 Mas as coisas já tinham feito sentido

em mim. Vide a carta enviada a Papai Noel

pedindo mercadorias para a venda de meu

pai, quando se achava carente delas. Que

ele mandasse, no meu Natal dos oito anos,

ao invés de brinquedo, sacos brancos de

açúcar cristal, sacos de linhagem estofados de

feijão, de arroz... para que, assim, o empório

recuperasse fregueses e prestígio.

 Sobre o balcão, a eternal balança

Filizola, que, hoje, mais pondera valores do que

pesa mercadorias.

 Click!

 E quando a máquina registradora da

memória tiver contabilizado o suficiente, o

flash de outra máquina, a de fotografar, clareia

aqueles produtos, aquele passado - perecíveis

ao contato do uso – e que carregam a memória

como encargo - tornando-se perenes ao

contágio com a imagem.

 Mas a imagem não vem, assim, fácil –

um simples click! - e é necessária a memória

a guisa de roteiro, que o poeta alinhava com o

fotógrafo - o sentido, a sintonia – na busca de

lugares que preservam memoriais similares.

 Nestas lojas de Secos & Molhados – que

perderam o jeito de ser para os supermercados

- de certa forma molhamos as lembranças, que

é a história, para não ficarmos sedentos dela.

 Com recursos que lhe garantam o tom

impressionista e guiado por uma sensibilidade

tangencial, Ramon Magela traz à tela

fotográfica, o melhor registro daquele universo

em extinção, clamando o olhar para seu valor

universal e cabível dentro de cada um de nós.

 Aqui, a fotografia se presta à

inteiração com os temas e os objetos

assinalados, sendo ela própria um destes

elementos a interagir com o tempo em

sequencial deslocamento.

 A Ramon Magela, a eternidade do

gesto mútuo de juntar tempos ido e vindo, na

solidária e solitária fotografia.

 Eu não sabia que uma venda era


assim...


Um primor! Parabéns, Ramon! Parabéns, Jorge Alberto!
A programação completa da FLU está disponível no site festaliterariadeuberaba.com.br e nas redes sociais da Festa.

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