Ramon Magela, o sensível artista das lentes para quem tive o prazer de posar em tempos idos, logo que chegou a Uberaba, com a criatividade e o entusiasmo inerentes a um jovem profissional já bastante requisitado, especialmente pelas belas que queriam se ver ainda mais bonitas naqueles milagrosos flashes. O tempo passou e Ramon foi aprimorando a sua arte e aprofundando o seu olhar também para outras cenas, muitas das quais históricas e monumentais.
Depois de comemorar 30 anos de sua muito bem sucedida trajetória com exposição, homenagens e tudo o mais que merecidamente recebeu, sua verve artística não perdeu a vibração e muito menos a competência. Na Festa Literária de Uberaba (FLU), que invade Uberaba com muita poesia, literatura, teatro, e até o universo da boa culinária, ele chega com a inusitada mostra Secos e Molhados, que será aberta nesta quinta-feira, 25, às 17h, na Casa de Artes e Ofícios Paulo Souza Lima (Praça Comendador Quintino, 162, praça do Grupo Brasil), com visitação nos demais dias, das 8h às 20h, com entrada gratuita.
São 55 fotografias destacando bares e mercados e relembram, através do registro do presente, detalhes do passado que permaneceram como tradição no interior de Minas Gerais. A mostra permanecerá até o fim da FLU.
A sua incursão nesse mundo da história, a convite dos organizadores da Festa, mereceu texto do historiador e poeta Jorge Alberto Nabut, que com muita honra posto aqui:SECOS E MOLHADOS
Jorge Alberto Nabut
...Vem da venda do
meu avô, o vento
que assopra os ouvidos - os sons em
surdina, semitons das falas dos fregueses;
que assopra as narinas - o cheiro forte do
estrume de cavalo que chegava da rua, o
fumo em corda, a cebola em réstia ou a
banha em lata; assopra o paladar – a peça
de salame fatiado à espera do pão, a bala
chita ou o gosto acentuado, enjoativo que
não permitia certas carnes secas à boca; o
vento que assopra os olhos – abertos, sem
cisco, para captar a imagem dos rolos de
arame farpado, os cabos de enxada como
lanças, a luz branca a invadir as portas
abertas, a querer devassar o indevassável,
as resmas de sombras que restavam na
despensa, no depósito, como se
escondessem algo. Vinha da venda do meu
avô a querência da compreensão de tudo
que podia parecer pouco – uma venda –
mas que era um mundo, hoje mudo, não
fora as palavras escritas, as estrofes
cantadas, os casos acasalados com o
prazer de uma prosa que se desfia, mesmo
sem a fala: a fotografia.
Click!
- Menino, ponha
sentido nas coisas!
Mas as coisas já
tinham feito sentido
pedindo mercadorias para a venda de meu
pai, quando se achava carente delas. Que
ele mandasse, no meu Natal dos oito anos,
ao invés de brinquedo, sacos brancos de
açúcar cristal, sacos de linhagem estofados de
feijão, de arroz... para que, assim, o empório
recuperasse fregueses e prestígio.
Sobre o balcão, a
eternal balança
Filizola, que, hoje, mais pondera valores do que
pesa mercadorias.
Click!
E quando a máquina
registradora da
memória tiver contabilizado o suficiente, o
flash de outra máquina, a de fotografar, clareia
aqueles produtos, aquele passado - perecíveis
ao contato do uso – e que carregam a memória
como encargo - tornando-se perenes ao
contágio com a imagem.
Mas a imagem não vem,
assim, fácil –
um simples click! - e é necessária a memória
a guisa de roteiro, que o poeta alinhava com o
fotógrafo - o sentido, a sintonia – na busca de
lugares que preservam memoriais similares.
Nestas lojas de Secos
& Molhados – que
perderam o jeito de ser para os supermercados
- de certa forma molhamos as lembranças, que
é a história, para não ficarmos sedentos dela.
Com recursos que lhe
garantam o tom
impressionista e guiado por uma sensibilidade
tangencial, Ramon Magela traz à tela
fotográfica, o melhor registro daquele universo
em extinção, clamando o olhar para seu valor
universal e cabível dentro de cada um de nós.
Aqui, a fotografia se
presta à
inteiração com os temas e os objetos
assinalados, sendo ela própria um destes
elementos a interagir com o tempo em
sequencial deslocamento.
A Ramon Magela, a
eternidade do
gesto mútuo de juntar tempos ido e vindo, na
solidária e solitária fotografia.
Eu não sabia que uma
venda era
assim...
Um primor! Parabéns, Ramon! Parabéns, Jorge Alberto!
A programação completa da FLU está disponível no site festaliterariadeuberaba.com.br e nas redes sociais da Festa.